terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Terrorismo nas sedes dos Três Poderes em Brasília: sem punição não terá fim. Por Frei Gilvander

Terrorismo nas sedes dos Três Poderes em Brasília: sem punição não terá fim. Por Frei Gilvander Moreira[1]

Ato Público e Marcha em Belo Horizonte, MG, em repúdio aos ataques terroristas nas sedes dos Três Poderes, em Brasília. Foto: Divulgação Revista Piauí - Praça da Estação, em Belo Horizonte.09/01/2023.

Estarrecido com os ataques terroristas, fascistas, golpistas, bolsonaristas, acontecidos em Brasília nas sedes dos Três Poderes da República Federativa do Brasil, patrimônio da humanidade, no domingo, dia 08 de janeiro de 2023, uma semana após Luiz Inácio Lula da Silva ter tomado posse pela terceira vez para ser presidente do Brasil nos próximos quatro anos. Ele governará para o bem do povo brasileiro para reconstruir o Brasil destruído sob todos os aspectos pelo desgoverno anterior. O vandalismo e a devastação perpetrada nas sedes dos Três Poderes foram imensos economicamente e simbolicamente incalculáveis. Na história do Brasil após a redemocratização não se tinha vista crimes tão horrendos.

Diante dos brutais crimes (são muitos!) cometidos pelos terroristas precisamos, primeiro, ter o melhor diagnóstico sobre o que aconteceu. Segundo, precisamos compreender como foram preparados os ataques, quem foram os criminosos, os mandantes, os financiadores, os mentores do terrorismo, os cúmplices, os coniventes, os omissos. Isso para tirarmos todas as lições destes ataques para que a democracia seja fortalecida e a barbárie contida. Deste mal é preciso tirar muitas boas lições.

Após chegarem a Brasília em mais de cem ônibus, em aviões e muitos em automóveis, com a cumplicidade das forças de segurança do Distrito Federal (Polícia Civil e Militar) que não organizaram a contenção dos golpistas e terroristas, mas “os escoltaram” até a Praça dos Três Poderes, onde invadiram o Congresso Nacional (Senado e Câmara dos Deputados), o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Palácio do Planalto sem encontrar quase nenhuma resistência das poucas forças de segurança presentes no momento da invasão, vandalizaram e depredaram tudo. Centenas de vidraças quebradas. Salas, salões e auditórios devastados com requintes de barbárie. Portas arrombadas. Urinaram e defecaram em várias salas. Destruíram um mural com fotos dos ex-presidentes do Brasil no Palácio do Planalto. Danificaram obras de arte de como “As Mulatas” de Di Cavalcanti (no valor de oito milhões de reais), de Portinari e outros/as artistas; destruíram bens históricos. Documentos, mobília, equipamentos eletrônicos, alimentos e até armas foram roubados. Roubaram até uma réplica do documento original da Constituição de 1988 do STF. Enfim, cuspiram ódio nos Três Poderes e em patrimônio histórico-cultural da humanidade.

Alguém já viu patriota destruir os símbolos da própria pátria? Travestidos de patriotas e de pessoas religiosas, não eram nem patriotas e nem religiosos, mas sim “sepulcros caiados” cheios de hipocrisia e violência. O Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS), órgão assessor da UNESCO, divulgou nota de repúdio à destruição de Patrimônio da Humanidade no Brasil nas sedes dos Três Poderes, na qual diz: “O ataque terrorista perpetrado pelas forças antidemocráticas contra o conjunto moderno de Brasília, inscrito pela UNESCO, representa não só uma agressão ao povo e ao patrimônio cultural brasileiro, mas um CRIME CONTRA A HUMANIDADE COMO UM TODO. Esses crimes são hoje passíveis de julgamento pelo Tribunal Pena Internacional (TPI), que em 2016, em um precedente marcante, condenou Ahmad al-Faqi Al Mahdi por crimes de guerra, pela destruição de importantes edifícios históricos na cidade de Timbuktu no Mali.

O número de criminosos é muito maior do que os 300 presos na contenção do vandalismo e os 1.200 detidos na manhã seguinte no acampamento ao lado do QG do Exército em Brasília. Na tentativa de invasão do Capitólio nos Estados Unidos 900 criminosos foram presos. Há vários tipos de criminosos terroristas envolvidos na execução, na preparação, na sustentação e no apoio ao gravíssimo atentado contra a Democracia brasileira. Há os que participaram dos ataques e que foram filmados por câmeras de drones da Polícia Federal e pelas Câmeras das sedes dos Três Poderes. Estes deixaram mais do que a digital nos crimes. Além destes, há as autoridades de forças de segurança que participaram, violando flagrantemente sua missão como agente do Estado brasileiro. Há autoridades políticas, civis e militares, cúmplices e coniventes, tais como o Governador do Distrito Federal (DF), Ibaneis Rocha, que foi afastado do cargo por 90 dias pelo ministro Alexandre de Moraes, por conduta “dolosamente omissiva”; o ex-secretário de segurança do DH, Anderson Torres, que, aliás, estava em Miami, onde está o ex-inominável, que precisa, com urgência, ser responsabilizado como autor intelectual e fomentador destes ataques terroristas, pois durante mais de quatro anos incentivou e alimentou os criminosos estilhaçando o regime democrático. Ameaçou o tempo todo que poderia dar golpe. E ao fugir “confessou” que não deu o golpe por falta de apoio. A todos criminosos recordamos o que diz o profeta Malaquias “Todos os que cometem injustiças serão como palha na fornalha acesa. E deles não sobrarão nem raízes e nem ramos” (Mal 3,19).

Há indícios seríssimos de que empresários do agronegócio financiaram estes atos terroristas. Os mandantes destes ataques terroristas precisam ser presos preventivamente e terem seus bens bloqueados para pagarem as reformas nas sedes dos Três Poderes. Não é justo que o povo brasileiro trabalhador arque com as despesas das reformas urgentes e necessárias.

Precisam ser responsabilizados também os corresponsáveis ideológicos e religiosos, vários deles identificados entre os participantes destes atos terroristas. Ideias e crenças movem as pessoas. Assistimos nos últimos anos um grande número de falsos pastores, padres bolsonaristas e outros líderes religiosos “assediando” muita gente que, ingenuamente ou cegado, acabou por acreditar no tsunami de mentiras que jorravam das bocas destes falsos pastores e profetas que conduzem o povo para o matadouro. Estes o profeta Miqueias desmascara: "vocês que têm horror ao direito e entortam tudo o que é reto" (Miq 3,9). Usaram e abusaram do nome de Deus, de Jesus e de textos bíblicos para fomentarem ódio, intolerância e uma série de discriminações na convivência social. Hipocritamente se diziam “defensores de Deus, da Família e da Pátria”, mas na prática são idólatras travestidos em vestes e discursos religiosos, são destruidores das famílias brasileiras, pois no fundo o que querem é continuar devastando a Amazônia, invadindo territórios indígenas, com garimpo e agronegócio desertificador dos territórios. E não são patriotas, mas patriotários, pois insistem em solapar a nossa Pátria, as instituições e valores democráticos. O profeta Miqueias não alivia com estes: “Os chefes de vocês proferem sentença a troco de suborno; seus sacerdotes ensinam a troco de dinheiro, e seus profetas são mercenários” (Miq 3,11).

Com o ex-ministro do STF Aires de Brito digo: “O terrorismo não acabará enquanto financiado, estimulado e aplaudido. E continuará matando a Democracia ... até que seja severamente punido." Aos golpistas terroristas dedicamos as palavras duras de Jesus Cristo no Evangelho de Mateus: "Ai de vocês que amarram pesados fardos e os colocam no ombro dos outros, mas vocês mesmos não estão dispostos a movê-los, nem sequer com um dedo" (Mt 23,4). De fato, esses golpistas apoiaram o desgoverno do inominável que condenou mais de 33 milhões de pessoas a passarem fome no Brasil. Mais de 400 mil mortos pela covid-19 poderiam estar vivos se o povo tivesse sido vacinado sem atraso de vários meses e se não tivesse sido implementada política negacionista da ciência. Os cortes brutais nas políticas públicas mataram muita gente. "Ai de vocês hipócritas! Vocês exploram as viúvas e roubam suas casas e, para disfarçar, fazem longas orações. Por isso, vocês vão receber uma condenação severa” (Mt 23,14). Isso mesmo: o que não admitem, mas na prática querem é continuar roubando “as viúvas de hoje”, que são os Povos Indígenas, os quilombolas, o povo negro, periférico secularmente escravizado no nosso país. Querem mesmo é continuar saqueando os territórios (Amazônia e todos os outros biomas), com agronegócio desertificador de territórios e mineração que deixa terra arrasada onde se instala. Os terroristas sabem que o presidente Lula e a frente ampla que o elegeu têm compromisso com a implementação de políticas públicas que efetive justiça agrária, ambiental, urbana, trabalhista e previdenciária. No fundo, os terroristas são egoístas. Muitos deles faziam fila para comprar iates e helicópteros, sem pagar nem IPVA, enquanto o governo que eles sustentavam humilhava o povo na fila do osso, pela fome imposta.

Enfim, é hora de apuração urgente de todos os responsáveis e corresponsáveis pelos ataques terroristas. Punição, já, para que não voltem a tentar atentar contra a democracia. Ovo de serpente, se não for abortado, gera serpentes venenosas e letais. Sem punição não terão fim as ações antidemocráticas e violadoras de direitos humanos.

10/01/2023.

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - Ato Público/Marcha em BH/MG: repúdio aos ataques terroristas na sede dos Três Poderes. "SEM ANISTIA!"

2 - Presidente Lula fala sobre ataques terroristas em Brasília nas Sedes dos Três Poderes dia 08/01/2023

3 - Ministro da Justiça, Flávio Dino, e Ministro Alexandre Padilha sobre ataques terroristas em Brasília

4 - “SEM ANISTIA, SEM PERDÃO! PRISÃO PARA BOLSONARO E TERRORISTAS!" Ato Público/Marcha. BH/MG. Vídeo 2



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

 

terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Despejar 40 mil famílias na beira da ferrovia? Por frei Gilvander

 Despejar 40 mil famílias na beira da ferrovia? Por frei Gilvander Moreira

Nos primeiros dias do ano de 2023, eu poderia escrever sobre o renascimento da esperança com a posse do presidente Lula e com o fim do desgoverno do inominável “irresponsável, desumano, criminoso, genocida, negacionista e obscurantista”. Poderia escrever sobre os destaques da posse do Lula, entre os quais o Lula subindo a rampa do Palácio do Planalto ao lado de pessoas representando o povo brasileiro injustiçado: o ancião cacique Raoni Metuktire; o Francisco, menino negro; Aline, mulher negra, 3ª geração de catadora de materiais recicláveis; um jovem com deficiência por paralisia cerebral; um trabalhador metalúrgico; Jucimara, cozinheira; Murilo, professor; Flávio, artesão e uma cachorrinha que acampou na vigília ao lado da sede da Polícia Federal em Curitiba, onde Lula ficou injustamente preso 580 dias. Lula recebendo a faixa presidencial pelas mãos do povo injustiçado: momento histórico, emocionante, pleno de amor, de esperança! 

Eu poderia ainda escrever desejando que 2023 seja inspirador! Que floresça em nós o que temos de melhor para fazermos acontecer, verdadeiramente, um feliz ano novo, que sejamos pessoas humanas - justas, éticas, amorosas, solidárias, responsáveis socialmente, ambientalmente e geracionalmente. Que estejamos irmanados/as nas lutas necessárias para reconstruirmos o Brasil com justiça econômica, solidariedade social, sustentabilidade ambiental, respeito à imensa diversidade cultural e religiosa! Que a luz divina e os espíritos ancestrais nos guiem!  Poderia ainda escrever: “Ditadura, nunca mais!” “Anistia a criminosos, jamais!” “Democracia para sempre!”, como enfatizou Lula ao discursar. É tempo de esperançar nas lutas concretas por direitos. É tempo de coletivizar, de aquilombar, ampliar as lutas pelo bem comum, tempo de união e reconstrução. 

Entretanto, concordando com a professora idealizadora da Faculdade de Educação da UFMG[1] e militante de uma educação transformadora, Magda Becker Soares, que se encantou na madrugada do dia 1º/01/23, ao afirmar que “a arma social de luta mais poderosa é o domínio da linguagem”, preciso escrever sobre a luta árdua, justa e necessária de cerca de 40 mil famílias que estão sobrevivendo há muitas décadas na beira da ferrovia de Mateus Leme, em Minas Gerais, até o Espírito Santo, passando por 40 cidades. Na maioria destas cidades, milhares de famílias estão sob a espada de processos individuais de despejo movidos pelas empresas Ferrovia Centro-Atlântica S/A, dona da ferrovia, e pela megaempresa MRS Logística S/A, que é dona dos trens que transportam os minérios que são arrancados das veias abertas de Minas Gerais e jogados nos navios. A mineradora Vale S/A é a maior acionista (dona) controladora destas empresas. Há milhares de processos de despejo na justiça estadual e na justiça federal. Em Betim e Belo Horizonte, por exemplo, há centenas de processos em várias varas cíveis. 

Na cidade Ibirité, região metropolitana de Belo Horizonte, MG, por exemplo, a megaempresa MRS Logística S/A, no segundo semestre de 2022, requereu judicialmente reintegração de posse de várias áreas ao lado da ferrovia. Após uma juíza de 1ª instância ter indeferido o pedido de reintegração de posse, a MRS iniciou um brutal processo de pressão sobre as famílias que “sob coação” assinaram acordos com indenizações muito injustas. Trinta e seis casas já foram demolidas, sendo 21 casas no bairro Jardim Ibirité e outras 15 casas no bairro Morada da Serra. No bairro Jardim Ibirité, quatro famílias resistem bravamente à investida de despejo. Moram no local há mais de 50 anos, distante da ferrovia de 30 a 50 metros, em área plana, em casas que não apresentam nenhum risco geológico, sem risco de desabamento ou deslizamento, sem risco nos quintais e estando fora da área de servidão da ferrovia, segundo a Lei Federal nº 6.766/79, que estabelece faixa de 15 metros de largura a partir do limite da faixa de domínio, chamada de faixa não edificada. Em alguns casos, pode haver a aplicação da Lei nº 13.913/19, reduzindo a faixa para 5 metros. O Art. 4 da Lei Federal 13.913/19 permite a permanência de edificações na faixa de domínio das ferrovias. 

A Defesa Civil da prefeitura de Ibirité, dia 26/12/22, avaliou in loco as cinco casas que resistem e disse para os moradores que as casas não estão em risco, conforme vídeo feito pelos moradores.[2] Laudo imparcial do geólogo Dr. Carlos von Sperling demonstra também o que todos a olhos vistos percebem: todas as cinco casas estão fora da área de servidão da ferrovia, estando distante para além de 20 metros da ferrovia. Logo, não é e nunca foi propriedade da MRS Logística S/A e tampouco há qualquer vestígio de posse exercida por essa empresa. A posse qualificada pelo exercício da função social é exercida pelos moradores há décadas e eles são legítimos possuidores com direito subjetivo à regularização fundiária plena. 

Ressalto que a Lei Federal 13.465/2017, que dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, em seu § 4º, estabelece que na Reurb-S de imóveis públicos, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e as suas entidades vinculadas, quando titulares do domínio, ficam autorizados a reconhecer o direito de propriedade aos ocupantes do núcleo urbano informal regularizado por meio da legitimação fundiária. Reurb-S significa Regularização Fundiária Urbana Social e é conceituado como o procedimento por meio do qual se garante o direito à moradia daquelas pessoas que residem em assentamentos informais localizados nas áreas urbanas. De acordo com a Lei Federal 13.465, de 2017, a REURB consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes. 

Como a MRS Logística S/A já demoliu 21 casas no quarteirão, após acordos com sérios indícios de coação, restando apenas quatro famílias com cinco casas (o sr. Lázaro e família têm uma casa velha de mais 50 anos e uma casa nova no mesmo lote), mesmo que a juíza de 1ª instância tenha proibido a demolição das casas e arbitrado multa de duas vezes o valor das casas, é óbvio que se as famílias forem retiradas das suas moradias, as casas serão demolidas ao arrepio da proibição judicial, pois a MRS preferirá pagar a multa ou recorrer judicialmente para conquistar uma eventual redução da multa. Isso será muito mais lucrativo para a empresa, pois terá o quarteirão todo anexado ao seu patrimônio, podendo fazer no local um empreendimento econômico de grande porte. Por isso, frisamos que a proibição de não demolir as casas e multa em caso de demolição não garantem a incolumidade das casas, caso as famílias sejam retiradas das casas sem nenhuma necessidade e muito menos o retorno das famílias às suas residências no final de janeiro de 2023. 

Se não há risco nas casas, nem nos quintais e se estão fora da faixa de servidão, quais os interesses não confessados que estão por trás movendo um processo de higienização e de racismo estrutural? Estando as famílias vivendo há mais de 50 anos no centro da cidade de Ibirité, é óbvio que o valor econômico dos terrenos ocupados valorizou muito. A comunidade do Jd. Ibirité está diante do Estádio Municipal da cidade. Há interesse em apropriar do quarteirão onde foram demolidas 21 casas para ampliar a área de estacionamento do Estádio? O famigerado Rodoanel da Região Metropolitana de Belo Horizonte, melhor dizendo, Rodominério, caso seja construído, passará próximo da área ou poderá inclusive passar na área? A Vale S/A e a MRS têm interesse em construir um terminal de carregamento de minério na área? Ou o interesse é apropriar-se de todo o quarteirão, de 40 a 50.000m2, para repassar para uma construtora fazer no local prédios? Ou ...?

Trata, sim, de racismo estrutural, porque nas cidades onde milhares de famílias estão sob processos de despejo por estarem na beira da ferrovia, existem também na margem da ferrovia clubes, casarões, prédios privados e públicos, sede e galpões de empresas, casas luxuosas. Em Ibirité a prefeitura, o Fórum e um shopping estão a poucos metros da ferrovia. Entretanto, ameaçados de despejo estão apenas famílias empobrecidas. Isto é racismo estrutural, inadmissível, violação de direitos humanos fundamentais.

          Importante mencionar ainda que em recente decisão - 31/10/2022 -, Ministro Luís Roberto Barroso do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou e o Plenário do STF referendou que os tribunais estaduais e federais instalem Comissões de Conflitos Fundiários para mediar e conciliar em eventuais despejos, antes de qualquer decisão judicial. Deixa claro, também, que além das decisões judiciais, quaisquer medidas administrativas que resultem em remoções devem ser avisadas previamente, as comunidades afetadas devem ser ouvidas, com prazo razoável para a desocupação e com medidas para resguardo do direito à moradia, proibindo em qualquer situação a separação de integrantes de uma mesma família.

          O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), nos termos da Portaria-Conjunta nº 1.428/PR/2022, instituiu a Comissão de Conflitos Fundiários no âmbito do TJMG, sobre a qual destacamos: “... São atribuições da Comissão de Conflitos Fundiários: I - servir de apoio operacional aos magistrados competentes para julgamento de ações dessa natureza; II - mediar conflitos fundiários de natureza coletiva, rurais e urbanos, de modo a evitar o uso de força pública no cumprimento de mandados de reintegração de posse ou de despejo e restabelecer o diálogo entre as partes, atuando sempre de forma auxiliar o juízo onde tramita a ação correspondente…”

No laudo geológico geotécnico imparcial se demonstra com fotos de voos de drone: “Não há nas paredes das moradias, isto é, de todas as moradias e nos respectivos muros divisórios, qualquer comprometimento das estruturas. Não há também nos terrenos das propriedades qualquer indício de instabilidade, isto é, não há qualquer indício de ruptura, indício de movimento de massa ou rastejo.”

O laudo do geólogo Dr. Carlos von Sperling diz: “Sobre as moradias já demolidas pela MRS: A partir de uma análise comparativa, possibilitada entre moradias que ainda permanecem e moradias demolidas, ou seja: Por uma observação das condições estruturais das casas ainda não demolidas; Pelas condições geológicas uniformes que abrangem todas as áreas; Pelas condições geotécnicas, de solo silto areno argilosos, resultantes dos maciços granito-gnássicos, propiciando elevado ângulo de atrito; Pelas condições geométricas (construtivas) geomorfológicas, mostrando uma área plana, sobre a qual situam-se todas as edificações, e taludes de cortes de elevada inclinação. Conclui-se que a remoção dessas moradias obedeceu a critérios não técnicos, desconhecidos.”

No laudo geológico geotécnico consta ainda: “Os taludes já são estáveis há dezenas de anos, aliás, as moradias também já estão estabelecidas há dezenas de anos, não cabe a esse técnico (Carlos von Sperling Gieseke – Geólogo, com 50 anos de experiência) maiores contestações ou explicações técnicas quanto à necessidade dessas contenções.”

CONCLUSÕES FINAIS do laudo geológico geotécnico do geólogo Dr. Carlos von Sperling: “1. As moradias e as áreas não apresentam qualquer justificativa técnica, geológica/geotécnica, para uma demolição; 2. As Áreas de Servidão não foram ocupadas pelas atuais moradias; 3. Os atuais moradores foram prejudicados nas atuais circunstâncias socioambientais, impostas pelas demolições já executadas.”

Portanto, o despejo das quatro famílias do Jd. Ibirité, em Ibirité, MG, não pode acontecer, pois será tremendamente injusto.  Caso a empresa MRS continue insistindo nesta brutal violência, o processo precisa ir para a Comissão de Conflitos Fundiários do TJMG, para o CEJUSC (Central de Conciliação do TJMG) e continuar na Mesa de Negociação do Governo de Minas Gerais, que, aliás, já realizou Reunião Plenária virtual em regime de urgência, dia 28/12/22, e tratou deste gravíssimo conflito fundiário, urbano e social, que acabou com o Natal e virada de ano das famílias e de quem está lutando na defesa delas. 

É evidente que quase todas as 21 casas do Jd. Ibirité, demolidas pela MRS, estavam fora da faixa de domínio da MRS como estão as casas das quatro famílias que resistem. Ao lado das casas tem rua asfaltada, as famílias pagam conta de água (COPASA) e de energia (CEMIG) há várias décadas e pagam IPTU também. E tem contrato de compra e venda. Portanto, são casas e lotes sobre os quais as famílias têm o direito de regularização fundiária segundo a Lei 13.465 para a obtenção da escritura e do registro sobre casas e lotes que possuem há tantas décadas. Esperamos a participação do Governo Federal, agora com o presidente Lula, na resolução deste conflito de forma justa, ética e pacífica, conflito que envolve cerca de 40 mil famílias ao longo de mais de 1.200 Km de ferrovia em 40 cidades de Minas e do Espírito Santo. 

O caso de Ibirité, analisado acima, é um recorte de uma injustiça sistêmica e estrutural que está acontecendo em territórios em dezenas de cidades de Minas Gerais e certamente em centenas de cidades Brasil afora. É necessário fazer um mapeamento para identificar onde a MRS Logística S/A e Ferrovia Centro-Atlântica S/A estão criando conflitos fundiários, urbanos e sociais nos territórios em comunidades de vulnerabilidade social. Despejo, jamais! Respeito ao direito das famílias continuarem morando nas casas onde moram de 30 a 50 anos, SIM! Em casos em que se comprovar de forma cabal risco às famílias, exigimos reassentamento prévio e adequado em condições semelhantes ou melhores, como assegura o Estatuto das Cidades e Tratados Internacionais que tem o Brasil como signatário.

03/01/2023


Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - "Pressão infernal da MRS está nos adoecendo aqui no Jd. Ibirité, Ibirité/MG Não saímos nem mortos"


2 - Veja o terror que a MRS está pondo em dezenas de famílias em Ibirité/MG: "Vão acabar matando my mãe"


3 - Defesa Civil de Ibirité/MG e geólogo Dr. Carlos: "As casas do Jd. Ibirité não têm risco nem avaria"


4 - Geólogo Dr. Carlos von: "As casas do Jd. Ibirité em Ibirité/MG estão seguras sem risco geológico"


5 - Socorro! Olhe o massacre que a MRS está fazendo com crianças, mães e avós no Jd. Ibirité, Ibirité/MG


6 - "Pressão p nos despejar está adoecendo a gente. Aqui não tem risco". Fora, MRS do Jd. Ibirité, MG


7 - Quintais produtivos e casas sem risco, mas MRS já demoliu 21 casas. Resistem 4 no Jd. Ibirité, MG


8 - Mística indígena na luta contra despejo no Jd. Ibirité, Ibirité/MG. MRS demoliu 36 casas. Injustiça!


9 - Rede de Apoio às famílias do bairro Jd. Ibirité, Ibirité/MG, só cresce: Indígenas ... DESPEJO, NÃO!


10 - "Se precisar, virá 220 famílias da Ocupação Terra Prometida para evitar despejo no Jd. Ibirité, MG



[1] Universidade Federal de Minas Gerais.

[2] Defesa Civil de Ibirité/MG e geólogo Dr. Carlos: "As casas do Jd. Ibirité não têm risco nem avaria". Cf. vídeo no link https://www.youtube.com/watch?v=e94vqeTtSJY