terça-feira, 24 de outubro de 2023

Se não reduzir a mineração no quadrilátero aquífero, BH e RMBH ficarão sem água – Por frei Gilvander

 Se não reduzir a mineração no quadrilátero aquífero, BH e RMBH ficarão sem água – Por frei Gilvander Moreira[1]


Com o avanço brutal da mineração no Quadrilátero Aquífero e Ferrífero de Belo Horizonte (BH) e Região Metropolitana (RMBH), se a mineração não for reduzida para o mínimo necessário, os quase 6 milhões de pessoas de BH e RMBH ficarão sem água, sem agricultura famíliar, sem ambiente, enfim, sem condições objetivas de vida, será a desertificação da região. Só não percebe isto quem está cegado pela ideologia da mineriodependência, do progressismo e pela idolatria do mercado, ou é de má-fé ou egocêntrico, está ganhando dinheiro fazendo funcionar a máquina de guerra da mineração que gera acumulação de capital para 1% da sociedade e miséria e violência socioambiental para 99% do povo e toda a biodiversidade. Os sinais e as provas são inúmeros. Não há só fumaça, mas fogo mesmo. Vamos mencionar alguns abaixo.

Assim como a cidade de Itabira, em Minas Gerais, após mais de 80 anos de mineração devastadora, está praticamente dentro de crateras da mineradora Vale S/A e ostentando o triste título de uma das cidades do Brasil com maior número de suicídio e de pessoas com depressão – “Itabira, apenas um quadro na parede”, denunciava o poeta Drummond -, as 34 cidades da RMBH, em visão panorâmica aérea, parecem estar cada vez mais encurraladas por crateras de mineração com danos socioambientais brutais. Pior: está aumentando de forma estarrecedora o número de novos projetos de mineração na RMBH. São dezenas. Em BH, se não fosse a luta hercúlea do Quilombo Manzo e de muitos movimentos socioambientais, a situação seria bem mais grave, pois as mineradoras insistem em liquidar com o pouco de Serra do Curral que ainda resiste.

As 17 audiências do Plano de Desenvolvimento Integrado da RMBH (PDDI-RMBH), em agosto de 2023, demonstraram que as 34 cidades da RMBH estão em acelerado processo de conurbação, ou seja, é exorbitante o número de novos loteamentos e a expansão da maioria das cidades da RMBH. As áreas rurais estão sendo ocupadas por novos bairros, loteamentos e ocupações irregulares. Foi denunciado com ênfase que a causa maior da escassez hídrica e da desigualdade em BH e RMBH se deve à hegemonia das mineradoras que estão causando brutais devastações socioambientais e impondo a mineriodependência de forma atroz. O povo de Brumadinho está adoecido. A Fiocruz comprovou a existência de metais pesados no sangue de muita gente de Brumadinho. O número de suicídio está crescendo.



O projeto do desgovernador de Minas Gerais, Romeu Zema, de construir um “Rodoanel” na RMBH é inadmissível, porque será na prática um rodominério, ou seja, infraestrutura para as mineradoras continuarem expandindo a mineração na RMBH, o que é insuportável. Em nome dos direitos da natureza e dos direitos das próximas gerações, ético se faz implementar mineração zero em BH e RMBH, mas o Governo de MG, sob os ditames da extrema direita e vassalo do neocolonialismo capitalista, segue em conluio com as grandes mineradoras e as grandes empresas asfixiando as condições de vida de quase 6 milhões de habitantes e de bilhões  de seres vivos que têm direito de viver na RMBH. A toque de caixa, a SUPRI[2] e a Câmara de Atividades Minerária do COPAM[3], como uma casa de horrores, aprova todos os grandes projetos de mineração ao arrepio dos estudos imparciais que demonstram que serão brutalmente danosos ao ambiente e à sociedade.

No último dia 19 de outubro (de 2023), aconteceu na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), na Comissão de Meio Ambiente, a 2ª Audiência Pública buscando garantir a preservação da Estação Ecológica de AREDES, em Itabirito, MG, e reivindicando o arquivamento do Projeto de Lei 387/23, que visa mudar o perímetro da Estação Ecológica de Aredes para que a mineradora Minar volte a minerar no coração da Estação Ecológica de AREDES. Reivindicamos que a Comissão de Meio Ambiente dê parecer pró-arquivamento do PL 387. Em um país com relações sociais injustas, o simples fato de requentar este famigerado PL pela 3ª vez nas três últimas legislaturas, seria o suficiente para indiciar como criminosos os que defendem este crime planejado e anunciado.

Os donos da mineradora Minar e seu séquito de “técnicos” preferiram não participar da 2ª Audiência Pública, certamente porque na 1ª Audiência Pública e na Visita Técnica na Estação Ecológica de Aredes passaram vexame e vergonha ao terem todos seus pretensos argumentos desmascarados como infundados e propaganda mentirosa. Não foram trazidas também as pessoas manipuladas que lotaram um ônibus da 1ª vez, pago por adeptos da mineradora Minar, sem saber o que fariam na ALMG, vieram apenas para receber salário de uma pessoa escravizada por dia, para marcar presença e vaiar quem defendia AREDES. Triste ver pessoas vulneráveis sendo usadas por exploradores que vendem a propaganda de que “mineração traz emprego e desenvolvimento”. Mentira! Quando uma mineradora emprega alguém desemprega em massa, pois asfixia outros modelos de economia e gera a danosa mineriodependência.

Na 2ª Audiência Pública vieram representantes da SEMAD[4], do IEPHA[5] e um diretor de Parques responsável por cuidar de AREDES. Não disseram coisa com coisa, se esquivaram de se posicionar sobre o PL 387 que, se aprovado, devastará a Estação Ecológica de AREDES, mas com evasivas deram a entender que o posicionamento do desgoverno de MG é pró-PL 387, o que significa o governo de MG de joelhos diante do lobby para minerar e devastar AREDES. Prova disso é que o autor do PL 387/23 é o deputado João Magalhães (do MDB), líder do Zema na ALMG.

Estarrecedor é que o PL 387 já tenha sido aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da ALMG com apenas arremedo de estudos feitos pela própria mineradora Minar, que contratou consultores sem conteúdo, que não conhecem o contexto ambiental, hídrico e patrimonial de Aredes. Como uma serpente e em silêncio, os ‘representantes’ da mineradora MINAR mudaram agora a estratégia, mas continuam a fazer lobby junto às Comissões da ALMG e junto à SEMAD do Governo Zema, haja vista o comportamento dos representantes do Estado (SEMAD, IEF e IEPHA) que foram de corpo presente à Audiência Pública, mas devem ter sido adestrados para não falar nada contra o famigerado PL, tendo em vista o aparelhamento da atual gestão do Governo de Minas Gerais com os interesses da mineração e do capital. Vergonhoso o despreparo técnico dos representantes do governo estadual que ali compareceram. O Ministério Público de Minas Gerais já expediu Recomendação advogando o arquivamento do PL 387 por ser profundamente danoso aos interesses da Estação Ecológica de Aredes e sem consistência técnica alguma, confirmando as denúncias da população e a Nota Técnica realizada pelos pesquisadores que atuam na região e entregue para as deputadas estaduais Bella Gonçalves (PSOL) e Beatriz Cerqueira (PT).

A Estação Ecológica de Aredes foi criada em 2010 por causa da luta justa para se salvar um pouco dos brutais danos que a própria mineradora Minar tinha causada em Aredes. Foi preciso uma Ação Civil Pública para exigir que se salvasse AREDES, porque a mineradora Minar tinha deixado três crateras e até hoje ainda tem passivo (danos) ambiental produzido por ela em Aredes. Ou seja, a Minar cometeu muitas infrações e irregularidades, violentou Aredes, de forma impiedosa. Não tem nenhuma moral para tentar voltar a praticar mais crimes em AREDES. Absurdo também é o fato do “PL 387” para minerar em Aredes, arquivado nas últimas duas legislaturas, estar sendo requentado pela 3ª vez.

São muitos os “capitães do mato” que defendem e fazem lobby pela aprovação do PL 387/23 na ALMG para a mineradora Minar voltar a cometer outros crimes socioambientais, históricos, arqueológicos e culturais na Estação Ecológica de Aredes, mas eles evitam mostrar a cara, pois é motivo de grande vergonha defender uma atrocidade como esta. Eis algumas, abaixo.

O município de Itabirito vem sendo sacrificado pela mineração há mais de 300 anos; primeiro, mineração de ouro, e nas últimas décadas, de ferro. Com altitude de 1.586 metros, o Pico Itabirito, com tombamento estadual e definido como Patrimônio Natural, segundo a Constituição de Minas Gerais, desde 1989, está há várias décadas como “Jesus na Cruz”, dilacerado, com todo o seu entorno carcomido, sua base e com seus pés roídos pela mineração que não respeita nada. Pico do Itabirito, crucificado pelas mineradoras, está exposto em uma sexta-feira da paixão sem fim que as mineradoras com o apoio do Estado vem impondo diariamente.

Nos últimos anos, a mineradora Vale fez uma “muralha da China” em Itabirito para conter o tsunami de rejeitos minerários das barragens de Forquilha I, II, III, IV e V, a 11 Km de distância no vizinho município de Ouro Preto. Trata-se de uma muralha de concreto compactado que, segundo a Vale S/A, custou 1,2 bilhão de reais, com mais 350 metros de extensão de uma montanha a outra, com 30 metros de espessura e 94 metros de altura. Esta megaobra já impactou o singelo São Gonçalo do Bação e sua população.  

Aredes é um extraordinário sítio arqueológico, onde existiu a Fazenda Aredes, marco zero do povoamento no munícipio de Itabirito, com testemunhos arqueológicos exuberantes, conforme muito bem demonstrado em uma robusta obra literária organizada pela pesquisadora Alenice Baeta intitulado: “Aredes – Recuperação Ambiental e Valorização de um Sítio Histórico e Arqueológico, publicada em 2016.  

A mineradora Minar insiste em minerar mais uma montanha em Aredes de campos ferruginosos e de vegetação rupestre com espécies endêmicas, ou seja, que só existem ali e em mais nenhum lugar do mundo. Estes campos rupestres de Aredes irrigam os Córregos Silva e Aredes, que se tornam o Córrego Mata-Porcos que, ao desaguar no rio Itabirito, lhe acrescenta 40% de água de classe especial, o que garante o abastecimento público da cidade de Itabirito. E o rio Itabirito, ao se encontrar com o rio das Velhas, tem praticamente o tamanho e o volume de água do rio das Velhas, que, na capitação de Bela Fama, em Nova Lima, oferece cerca de 50% do abastecimento público de BH e RMBH. Ou seja, minerar mais em Aredes irá secar os córregos Silva e Aredes, o que inviabilizará o abastecimento público das cidades de Itabirito, BH e RMBH.

Além da Mineradora Minar, em Itabirito, há outros quatro brutais projetos de mineração insistindo para cravar suas garras nas poucas montanhas que resistem: a) Em São Gonçalo do Bação estão insistindo em construir mais um Terminal de carregamento de minério de ferro, sinal de que, segundo o prefeito de Itabirito, “a mineradora Vale tem projetos para mais 150 anos de mineração na região”; b) Entre Aredes e  São Gonçalo do Bação está iniciando outro projeto de mineração na belíssima Serra do Lessa, que pretende explorar 110 milhões de metros cúbicos de minério por ano em uma montanha da localidade, por 40 anos, com cerca de 650 carretas por dia transitando, o que deixará uma cratera de 130 metros de profundidade; c) Tem também projeto minerário da Várzea do Lopes Leste, da Gerdau; d) E a empresa Monteminas Minérios, do projeto de mineração Água Brava ao lado da Serra do Lessa.  São Gonçalo do Bação está sendo circundado e sufocado por estas obras e minerações, sendo que se trata de um distrito munido de um vulnerável e rico conjunto arquitetônico, arqueológico e paisagístico composto por bens culturais variados, com clara vocação para o turismo cultural, artístico e ambiental de base comunitária.   

Portanto, em respeito às próximas gerações, faz-se necessário arquivar o PL 387 na ALMG, nunca mais requentá-lo e reduzir muito a mineração na região do Quadrilátero Aquífero e Ferrífero de BH e RMBH. Eis o caminho para a vida saudável!

 

24/10/2023.

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - Aprovar PL 387/23 na ALMG p mineradora Minar minerar dentro da Estação Ecológica será absurdo brutal


2 - Alenice Baeta: Aula Magna! Necessidade de preservar a Estação Ecológica de AREDES. Repúdio ao PL 387


3 - Jeanine: Preservemos a Estação Ecológica de AREDES e o Monumento Natural da Serra da Moeda, JÁ!


4 - Dep. Bella: “PL 387/23 não pode ser aprovado na ALMG. Preservemos a Estação Ecológica de AREDES, MG



5 - Dep. Beatriz: "E a posição da SEMAD e do ZEMA sobre a Estação Ecológica de AREDES, em Itabirito/MG?"



6 - Edton: Minerar na Estação Ecológica de AREDES, Itabirito/MG, vai deixar Itabirito, BH, RMBH sem água



7 - Luiz, do MAM: Zema em conluio c mineradoras. Preservar Estação Ecológica de AREDES p garantir água..



8 - Capitães do mato insistem em continuar escravizando povos/ambiente, agora tb. c PL 387/23 na ALMG



9 - Thomás Toledo: Prefeito e vereadores de Itabiritos/MG, cúmplices da mineriodependência. Viva AREDES!



10 - Frei Gilvander e Dep. Bella pedem arquivamento do PL 387 na ALMG, que visa minerar em AREDES, MG



11 - Mineradora Minar quer devastar AREDES, nascedouro de Itabirito/MG, com PL 387/23 que visa minerar



12 - Visita Técnica a AREDES conclui q PL 387/23 deve ser arquivado. Estação Ecológica em Itabirito/MG



13 - Minar diz q minerar em AREDES afetará ruínas e fontes d’água. Dep. Bella e frei Gilvander: arquive!



14 - Não há como minerar na Estação Ecológica de AREDES sem devastar sítio histórico e acabar com águas



15 - Se calarmos, montanhas gritarão! Minar deixa 3 crateras, passivo ambiental e invade AREDES c PLACA


16 - Crateras deixadas pela Minar foram convertidas ambientalmente: Estação Ecológica AREDES/Itabirito/MG


17 - Visita Técnica de deputados/a à Estação Ecológica de AREDES, em Itabirito/MG. Arquive o PL 387/23!


18 - Peça de Teatro sobre História de AREDES, Itabirito/MG: Arquive PL 387/23 que visa minerar em AREDES!


19 - Trabalho arqueológico na Estação Ecológica de AREDES, em Itabirito/MG: Arquive o PL 387/23 na ALMG!


20 - Exposição AREDES na Estação Ecológica de AREDES, Itabirito/MG: Arquive o PL 387/23, que visa minerar



21 - No interior de uma das ruínas da Estação Ecológica de AREDES, em Itabirito/MG: Arquive o PL 387/23!




[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Superintendência de Projetos Prioritários da Secretaria de Desenvolvimento Social e do Conselho de Política Ambiental do estado de Minas Gerais.

[3] Conselho de Política Ambiental do estado de Minas Gerais.

[4] Secretaria de Desenvolvimento Sustentável do estado de Minas Gerais, responsável para avaliar os projetos de mineração.

[5] Instituto estadual do Patrimônio Histórico e Artístico do estado de Minas Gerais.

terça-feira, 5 de setembro de 2023

AMEAÇA GRAVE EM MIGUEL BURNIER, EM OURO PRETO, MG, A CEMITÉRIO DE PESSOAS ESCRAVIZADAS: Racismo Ambiental e Danos ao Patrimônio Histórico, Arquitetônico, Arqueológico, Paisagístico e Natural. Por frei Gilvander

AMEAÇA GRAVE EM MIGUEL BURNIER, EM OURO PRETO, MG, A CEMITÉRIO DE PESSOAS ESCRAVIZADAS: Racismo Ambiental e Danos ao Patrimônio Histórico, Arquitetônico, Arqueológico, Paisagístico e Natural. Por frei Gilvander Moreira[1]           

A seta indica local onde se encontra o Antigo Cemitério. A obra avança e ameaça o Conjunto Histórico, Arquitetônico e Histórico Nossa Senhora Auxiliadora de Calastrois em Miguel Burnier, Ouro Preto, MG. Fotos: CPT/MG

Inaceitável uma obra que está sendo realizada no distrito de Miguel Burnier, município de Ouro Preto, MG, pela empreiteira Nóbrega Pimenta, que está fazendo terraplanagem, movimentação de terra e desmatamento de vegetação nativa literalmente, ao lado do Conjunto Cultural, Histórico, Arquitetônico e Arqueológico da Igreja Nossa Senhora Auxiliadora de Calastrois. Faz parte do Conjunto, além da edificação da antiga Igreja, Coreto, Cemitério atual e o Antigo Cemitério das pessoas escravizadas da Comunidade de São Julião, constituído por muros de alvenaria de pedra. A obra de terraplanagem está avançando na direção deste importante Conjunto cultural, histórico e arqueológico, em especial do Cemitério Antigo, o que está gerando grande preocupação, já tendo comprometido a sua ambiência. O Cemitério é importante relíquia do século XVIII da memória das pessoas escravizadas e de seus ancestrais, se tratando de campo sagrado de interesse material e imaterial para a profunda história de Minas Gerais. Inadmissível a destruição de patrimônio de extraordinário valor cultural, histórico e arqueológico.

Este mesmo Conjunto histórico, dentre outros na localidade, já foi objeto de pesquisa tendo sido mencionado em um grande livro referente à memória de São Julião intitulado: “Marcas Históricas - Miguel Burnier”, datado de 2012 (cf. p. 209 a 217), organizados pelos historiadores e arqueólogos Alenice Baeta e Henrique Piló. Este belíssimo Conjunto Cultural também foi objeto de inventário em 2007 e de tombamento municipal em 27 de novembro de 2012, em função da necessidade de sua proteção eficaz e da sua grande significância patrimonial. Não podemos permitir que empreendimentos minerários continuem colocando em risco os já tão ameaçados patrimônios históricos, arqueológicos, arquitetônicos e culturais de Miguel Burnier. Exigimos a paralisação imediata da obra e o cercamento, considerando uma zona de entorno dos muros de pedra do cemitério urgentemente.

Devastando o ambiente estão várias retroescavadeiras e mais de dez caminhões em área já devastada em plena área urbana de Miguel Burnier. Ninguém viu? Quem fiscaliza? Há risco brutal de continuidade de devastação e destruição do Conjunto Cultural, Histórico, Arqueológico e Arquitetônico de imenso valor cultural.

Esperamos de todas as autoridades implicadas providências urgentes que garantam a proteção eficaz dos bens culturais dessa importante região do município de Ouro Preto, em especial do Cemitério Antigo. Um povo que pisoteia na sua história não merece continuar vivendo. Exigimos respeito aos nossos ancestrais, a todos os bons espíritos e ao ambiente recheado de história.

O distrito de Miguel Burnier parece atualmente um cenário de guerra. O antigo São Julião, tornou-se território de sacrifício, sendo mutilado por projetos de mineração degradantes permanentes que avançam diariamente sobre o seu patrimônio hídrico, biodiversidade, paisagístico, arqueológico e arquitetônico. Sua população remanescente resiste sofrendo em meio a tanta degradação ambiental, sob a égide de um regime de necropolítica que se instalou nesta localidade há tempos com a omissão/conivência dos órgãos patrimoniais, municipais, estaduais e do Ministério Público de Minas Gerais.

Com esta brutal violência ao patrimônio cultural, histórico, arqueológico e arquitetônico, a cidade e município de Ouro Preto faz por merecer perder o status de Patrimônio Mundial pela UNESCO[2] por ser conivente com atividades lesivas ao seu patrimônio cultural e com a minerodependência que domina e sufoca esta região e sua população há séculos. Enfim, feliz de um povo que preserva seu Patrimônio Cultural, Histórico, Arqueológico, Arquitetônico e Natural. Ai de um povo que tritura no altar do ídolo mercado seu Patrimônio Cultural, Histórico e Natural.

Para ilustrar este cenário devastador, seguem fotos com legendas que indicam a situação preocupante da antiga vila de São Julião, distrito de Miguel Burnier.      

Pátio de obra e terraplanagem em Miguel Burnier, Ouro Preto, MG, com brutal desmatamento.

 

Detalhe do nome da empreiteira “Nóbrega Pimenta” no Pátio de obra e terraplanagem em Miguel Burnier, Ouro Preto, MG.

 

Detalhe de publicação (Org. BAETA, A. & PILÓ, H. Marcas Históricas, Miguel Burnier, 2012, p. 216), que menciona o Cemitério Antigo e ambiência (cemitério de pessoas escravizadas cercado por muros de pedra), que faz parte do Conjunto Histórico, Arquitetônico e Arqueológico de Nossa Senhora Auxiliadora de Calastrois em Miguel Burnier, Ouro Preto, MG.

 

Detalhe de Cruz de Ferro que indica um antigo túmulo no cemitério das pessoas escravizadas. Conjunto Histórico, Arquitetônico e Arqueológico de Nossa Senhora Auxiliadora de Calastrois. Miguel Burnier, Ouro Preto, MG.


 Detalhe de antigo túmulo no cemitério das pessoas escravizadas. Conjunto Histórico, Arquitetônico e Arqueológico de Nossa Senhora Auxiliadora de Calastrois. Miguel Burnier, Ouro Preto, MG.

 

Detalhe de trecho de alvenaria de pedras do cemitério das pessoas escravizadas em meio ao Campo Rupestre Ferruginoso. Conjunto Histórico, Arquitetônico e Arqueológico de Nossa Senhora Auxiliadora de Calastrois. Miguel Burnier, Ouro Preto, MG.

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto relativo ao tratado, acima, na mesma região.

1 - Gerdau amplia mineração em Chrockatt de Sá, Ouro Preto/MG, devasta região e acaba com água. Vídeo 1

2 - Gerdau (des)mata nascentes, contamina água e deixa famílias tomando água contaminada/Chrockatt de Sá

3 - Gerdau faz famílias tomarem água contaminada com metais pesados em Chrockatt de Sá em Ouro Preto/MG?

4 - Gerdau, Zema e TJMG, “projeto econômico” acima do direito à vida? - Chrockatt de Sá, Ouro Preto/MG


[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

quarta-feira, 30 de agosto de 2023

É preciso ter coragem! Por frei Gilvander

  É preciso ter coragem! Por frei Gilvander Moreira[1]


Por mais que lorotas dos capitalistas fascistas que, para desviar o foco e criar cortina de fumaça, acusam de ser “comunistas” quem luta por justiça socioambiental, por direitos humanos e direitos da natureza, o fato é que (sobre)vivemos em uma sociedade capitalista, que é uma máquina de moer vidas humanas e de toda a natureza, no estágio atual colocando em risco a sobrevivência da humanidade e da maioria das espécies vivas, porque está devastando de forma brutal o ambiente e gerando a emergência climática com eventos extremos cada vez mais frequentes e letais. A opressão, a exploração ou superexploração, violências de mil formas campeiam na sociedade capitalista, seja na forma de superexploração da força de trabalho pela uberização do trabalho, remuneração por produção, terceirização ou quarteirização, seja pelo racismo, pela homofobia, pela discriminação, pelo feminicídio, pelo patriarcalismo, pelo fascismo etc., todas violências que têm como causa maior o sistema do capital idolatrado.

Viver, conviver e agir de forma humana em uma sociedade capitalista é um desafio gigante. A maioria das pessoas, quase todas das classes trabalhadora e camponesa, reduz a vida à luta pela sobrevivência, o que exige muitas vezes se omitir ou se tornar cúmplice de muitas injustiças e violências. Muitos sabem que se tomar partido e denunciar injustiças é perseguido, demitido, censurado ou excluído sumariamente. Em muitos cantos e recantos vigora o ditado popular “aqui quem tem olhos não vê, quem tem boca não fala e quem tem ouvidos não ouve nada, pois se falar morre.” Lamentavelmente uma das estratégias da sociedade capitalista para reproduzir as relações sociais capitalistas, que são escravocratas, é a imposição do medo de muitas formas, pois quem teme fica calado, se omite e, muitas vezes, sem perceber que está sendo cúmplice. Às vezes, salva a própria pele por certo tempo, mas condena indiretamente muitos/as ao sacrifício no altar do mercado idolatrado.

Neste contexto de injustiça institucionalizada e estrutural, é necessário recordarmos a beleza e a necessidade de sermos pessoas de coragem, destemidas, para andarmos na contramão “atrapalhando o sábado”. Afinal, peixe vivo é o que nada rio acima. Em centenas de vezes em que na Bíblia se narra a aparição de um anjo, mensageiro divino, convidando alguém a abraçar uma missão dada pelo Deus, mistério de infinito amor, após propor a missão e constatar que a pessoa treme na base diante do desafio que lhe é proposto, a primeira fala e atitude do anjo é dizer “Não tenha medo. Coragem! Deus está com você.”

A história humana demonstra que quem faz história não tem medo, ou seja, tem coragem, “age pelo coração” que fervilhando de indignação, em ira santa, não se omite e não se torna cúmplice diante de nenhuma injustiça, exploração ou violência perpetrada contra alguém ou qualquer ser vivo, de perto ou de longe. Segundo o livro do Êxodo, na Bíblia, após amargar uns 500 anos de escravidão no Egito, debaixo do imperialismo dos faraós, os povos oprimidos e superexplorados de várias culturas, diante de um Decreto do Faraó que mandava matar os meninos ao nascer – fazer controle de natalidade -, os povos se uniram, se organizaram e partiram para conquistar terra e liberdade: um sonho bom e invencível. No entanto, no início da caminhada, os povos se viram encurralados pelo Mar Vermelho à frente, atrás a tropa de choque dos faraós e montanhas dos dois lados. Nesse apuro, as mulheres parteiras – Séfora e Fua -, Míriam e Moisés convidaram o povo a dar as mãos e de cabeça erguida bradaram: “Coragem! Um passo à frente!” O Mar Vermelho se abriu e os povos seguiram a caminhada para conquistar a terra prometida pelo Deus solidário e libertador, terra sem males. Foi com coragem que entraram para a história Séfora e Fua, duas parteiras escravizadas no Egito, Miriam, Moisés e muitas outras pessoas anônimas, que, enfrentaram o imperialismo dos faraós, no Egito, por volta do ano 1200 antes da Era Cristã,

Foi assim que os profetas e as profetisas da Bíblia e de outros textos sagrados de várias religiões entraram para a história: por enfrentar os opressores, como “Davi enfrentou Golias” e por ter feito opção de classe, pelos injustiçados, consolando-os na luta pela superação das injustiças. Galileu Galilei, Giordano Bruno, muitas mulheres consideradas bruxas, Mahatma Gandhi, Martin Luther King, Che Guevara, Rosa Luxemburgo, “144 mil” mártires que viveram enfrentando os dragões de plantão, Margarida Alves, Marielle Franco, Mãe Bernadete, Chico Mendes, Irmã Dorothy Stang, Padre Josimo, Padre Ezequiel Ramin, Santo Dias ..., todos/as, entre as várias qualidades que testemunhavam, demonstraram coragem inabalável diante de ameaças e perigos.

Recordei-me de tudo o que escrevi acima ao contemplar o que foi, fez e lutou e continua sendo e fazendo – de outra forma -, Irmã Neusa Francisca do Nascimento, da Congregação das Irmãs da Divina Providência, que partiu para a vida plena dia 25 de agosto último (2023). Irmã Neusa dedicou a sua vida à luta dos oprimidos, das Comunidades Tradicionais do Norte de Minas Gerais e por anos ajudou a construir o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) no estado de Minas Gerais e o importante Movimento das Pescadoras e Pescadores Artesanais, o MPP, que tanta luta vem travando nas barrancas do Rio São Francisco.

Dia 16 de agosto de 2017, Irmã Neusa Francisca do Nascimento participou de Audiência Pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), na Comissão de Direitos Humanos, ocasião em que revelou coragem inabalável para denunciar com contundência os violentos e violentadores das Comunidades Tradicionais e especificamente da Comunidade Tradicional Vazanteira de Canabrava, que estava sendo despejada de forma brutal em Buritizeiro, nas barrancas do rio São Francisco, no norte de Minas Gerais.



Faço questão de transcrever aqui algumas denúncias veementes que Irmã Neusa fez ao vivo pela TV Assembleia, da ALMG, para percebermos a beleza e a necessidade de sermos pessoas corajosas. De cabeça erguida, com voz firme, Irmã Neusa, no microfone da Assembleia Legislativa de Minas Gerais bradou: “Inicio dizendo NÃO a esse processo de retirada de direitos que está violentamente acontecendo no nosso país, o que torna a vida impossível. Manifesto todo apoio ao Movimento das Comunidades Tradicionais, que está em movimento de resistência. Garantir os Territórios das Comunidades Quilombolas e de todas as outras Comunidades Tradicionais e indígenas é necessário. Está em risco toda a tradicionalidade dos territórios das Comunidades Indígenas, Quilombolas e Pesqueiras. ‘Com Deus na frente e paz na guia’ – lema de Irmã Neusa -, queremos fazer deste mundo um lugar bom de viver para todos e todas os viventes da mãe Terra – sonho de Irmã Neusa. A violência que sofre a Comunidade Tradicional Pesqueira e Vazanteira de Canabrava, lá em buritizeiro, no norte de Minas Gerais, não é um fato isolado, mas faz parte da estratégia do latifúndio, agora travestido de agro e hidronegócio. As Comunidades Tradicionais Pesqueiras, ao longo do rio São Francisco, vêm sofrendo violentamente processo de expulsão desde a década de 1960, mas, resistindo a esses mecanismos de expulsão, avançaram na consciência de seus direitos e estão fincando o pé nas Retomadas de seus Territórios, nos processos de permanente enfrentamento aos latifundiários e agronegociantes. A gente fica preocupada com a inércia do Estado, enquanto as Comunidades Tradicionais estão na mira da bala do latifúndio. A gente vê o fazendeiro, no caso da Comunidade de Canabrava, fazer o que fez nos últimos dias, enquanto a Comunidade estava esperando desde fevereiro uma visita do Governo no intuito de demarcar a área da Comunidade. A Comunidade está dentro da área de domínio da União. Isto já foi comprovado pela visita técnica da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) na semana passada. Estão dentro da área da União comprovadamente todas as casas que foram derrubadas no dia 18 pela Polícia Militar com decisão judicial injusta e as que foram derrubadas no dia 20 pelos jagunços e pelos fazendeiros. É inadmissível que o Governo não tenha 120 mil reais para fechar um Convênio com a SPU e uma Universidade para garantir a permanência das Comunidades nos seus territórios ancestrais, mas teve 70 mil reais para despejar uma Comunidade Tradicional Pesqueira, que estava dentro da área da União. Ainda mais inadmissível é aceitar que o fazendeiro tenha investido mais 20 mil reais e tenha participado diretamente da expulsão da Comunidade e tenha colocado seus capangas ali vigiando e pondo a arma no pescoço e na cabeça dos moradores. É inadmissível que a Polícia Militar, chamada desde as 8 horas da manhã e alertada para socorrer a Comunidade de Canabrava tenha se omitido, quando o fazendeiro estava fazendo por conta própria o despejo de forma ilegal, violenta. A Polícia Militar só compareceu depois de muito empenho no final da tarde e dizendo que não estava indo ali para proteger a Comunidade, mas simplesmente para acompanhar um perito do Ministério Público Federal que estava na área aquele dia fazendo estudo antropológico da Comunidade. Durante todo esse tempo, a gente estava com a Comunidade cercada de jagunços com tiroteios ameaçando o tempo inteiro, mas a Polícia Militar só foi comparecer quatro dias depois, mesmo estando a Comunidade de Canabrava cercada pelos tiroteios dos capangas do fazendeiro. No que a Comunidade Tradicional decidir a gente está junto para apoiar a Comunidade na resistência sofrendo toda tentativa de homicídio. A conivência do Estado com os latifundiários e empresários do agronegócio é brutal e nojenta. A gente está aqui para dizer que é preciso justiça urgente, pois o fazendeiro está se aliando a outros fazendeiros. Todas as margens do rio São Francisco, Territórios de Comunidades Tradicionais, estão sob violência de latifundiários, empresários do agro e hidronegócio, e do Estado. Pedimos urgência também ao Governo Federal, através da SPU, para que faça a demarcação de todos os Territórios ao longo do rio São Francisco que estão tradicionalmente ocupados por Comunidades Tradicionais Vazanteiras na mira da bala do latifúndio, encurraladas sofrendo todo esse tipo de pressão e violência. Se essas famílias vão com os filhos para as periferias, lá a polícia bate e mata; se resiste no seu Território Tradicional e luta para ficar lá, a polícia se alia aos latifundiários e as expulsa.”  

Detalhe: a Irmã Neusa fez todas estas denúncias necessárias enquanto morava na cidade de Buritizeiro, no município onde as violências se perpetravam. Por encarnar as virtudes humanas do amor ao próximo, da humildade, da solidariedade, da justiça e da ética e, acima de tudo, por ser mulher corajosa, Irmã Neusa Francisca do Nascimento “combateu o bom combate, completou a carreira, guardou a fé. A coroa da justiça lhe está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, lhe dará naquele dia; e não somente a ele, mas também a todos os que amam a sua vinda” (2 Tm 4,6-8). Guimarães Rosa compreendeu de forma magistral ao conviver com os Povos do Sertão mineiro que “a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.” (Grande Sertão: Veredas, Guimarães Rosa.). Enfim, que tenhamos a grandeza de honrarmos o imenso legado espiritual, ético e profético que Irmã Neusa Francisca do Nascimento nos deixou, com coragem e compromisso de toda a vida ao lado dos empobrecidos na luta pelos seus direitos. É preciso ter coragem!

­­­­30/08/2023.

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

 Que continue em nós a CORAGEM e a SENSATEZ ÉTICA de Irmã Neusa Francisca do Nascimento, PROFETIZA!

2 - Chega de mineração! Chega de impunidade! Ir. Neusa (CPP) e Clarindo (Mov. Pescadores). 28/1/19

3 - Irmã Neusa Francisca Nascimento, profetiza e guerreira na defesa dos empobrecidos, de Deus no povo

4 - Despejo da Comunidade pescadora de Canabrava/Buritizeiro/MG: Irmã Neusa Nascimento/CPP. 16/8/17

5 - Verdades que precisam ser ditas em Betim/MG. “O negócio do Medioli é destruir”. Mulher de coragem!

6 - “Fé e coragem!” Culto e Vigília no Beco Fagundes, Betim/MG, sob pressão infernal por despejo injusto

7 - “Não vacilem! Coragem na luta por direitos. Metam o pé no barranco!” (Frei Gilvander na CDD).Vídeo 7

8 - Alvimar da CPT segundo o MST de MG: trabalho de base, unidade e coragem na luta. 27/08/16



 

 

 

 

 



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

terça-feira, 15 de agosto de 2023

Minerar em AREDES: golpear a história, matar águas! Por frei Gilvander

Minerar em AREDES: golpear a história, matar águas! Por frei Gilvander Moreira[1]

Fotos feitas durante Visita Técnica da Dep. Bella Gonçalves, Dep. Tito e Dep. Ricardo Campos à Estação Ecológica AREDES, em Itabirito, MG, dia 10/08/23: Reprodução/Mov. SOMOS AREDES

Para atender aos interesses capitalistas e particulares da mineradora Minar, o deputado estadual João Magalhães (PMDB) apresentou o PL 387/23, que está tramitando na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Mesmo eivado de inverdades, ilegalidades e inconstitucionalidade, de forma muito estranha e suspeita, este projeto de lei, muito mal escrito, aliás, já foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da ALMG e está agora sendo apreciado pela Comissão de Meio Ambiente da ALMG. Projetos semelhantes ao PL 387/23 para retomar mineração em Aredes já foram arquivados nas últimas legislaturas na ALMG. É a terceira vez que a mineradora Minar insiste em tentar sacrificar de forma brutal e assustadora a Estação Ecológica de AREDES, no município de Itabirito, MG.



Dia 10 de agosto de 2023 aconteceu Visita Técnica da Comissão de Meio Ambiente à Estação Ecológica de Aredes. Participaram a deputada Bella Gonçalves, que defende que o PL 387/23 deve ser arquivado, e os deputados Tito Torres (PSD) e Ricardo Campos (PT). Aredes está distante de Belo Horizonte uns 50 Km. Após deixar a BR 040 e entrar em estrada de terra para chegar à Estação Ecológica de Aredes, assustado, tive a impressão de estar adentrando em uma zona de guerra: carretas de mineração, que são verdadeiros tanques de guerra, em trânsito frenético, indo e voltando; caminhões-pipas molhando a estrada – Haja água para abrandar tanta poeira! Enquanto milhares de bairros sobrevivem com migalhas de água nas 34 cidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), caminhões-pipas de mineradoras jogam água em estradas, desperdiçando este bem precioso para auferir acumulação de capital para mineradoras com ganância sem fim. Até quando esta injustiça perdurará?



Atento para não ser atropelado por carretas de mineração, vi barragens e crateras de mineração ao longo de todo o caminho até Aredes. Barragem da mineradora Herculano, que, em 2014, matou três trabalhadores durante o seu rompimento, que inundou de lama tóxica o córrego Silva, afluente do rio Itabirito, vale do rio das Velhas; avista-se a mina Várzea do Lopes, da mineradora Gerdau na Serra da Moeda. Muito difícil chegar a Aredes sem guia que conheça a região, pois a estrada se mistura com muitos outros acessos exclusivos da mineração. No sítio histórico e arqueológico de Cata Branca, próximo a Aredes, aconteceu uma tragédia eufemisticamente chamado de acidente por volta do ano de 1844, no qual dezenas de trabalhadores, a maioria negros escravizados, foram mortos, sepultados vivos com o desabamento de uma galeria subterrânea de mineração. Quem não morreu no desabamento da rocha, morreu afogado, depois que os administradores ingleses desistiram dos trabalhos de resgate e desviaram um curso d’água para inundar a mina. O local é considerado até hoje assombrado devido ao terror causado pela mineração.



Ao chegar à Estação Ecológica de Aredes, somos tomados por uma emoção indescritível por ver e caminhar em um espaço histórico e arqueológico sagrado. Interiormente ouvi a voz de Deus que disse a Moisés no monte Horeb: “Tire as sandálias, pois este lugar é sagrado” (Êxodo 3,5). O ar, as paredes, as portas e os inumeráveis testemunhos históricos e arqueológicos ali existentes gritam exigindo respeito, reverência e cuidado. Uma maravilha histórica e arqueológica rodeada por mineradoras que de forma impiedosa e com ganância sem fim transformam aquele território em “zona de guerra”, território que está sendo sacrificado no altar do ídolo mercado há 300 anos. Sem ser técnica no assunto, uma pessoa sensata, ao contemplar a maravilha da Estação Ecológica Aredes e o entorno já tão brutalmente mutilado pelas mineradoras, conclui que é inadmissível permitir que a mineradora Minar retome mineração em Aredes! Basta de mineração devastadora!



Sob direção de Mauro Souza, foi apresentada uma Peça de Teatro de São Gonçalo do Bação, inspirada na robusta obra “Aredes - recuperação ambiental e valorização de um sítio histórico-arqueológico”, publicada em 2016, pela arqueóloga Alenice Baeta. Emocionante ver e ouvir o resgate da história de Aredes, local que foi o marco zero do município de Itabirito. Também em uma performance magistral denunciando a atrocidade que seria retomar mineração em Aredes, o artista Carlos do Carmo bradou: “Não nos calaremos na defesa das montanhas e das águas de Aredes, do ambiente com todo seus valores históricos culturais. Se nos calarmos, as montanhas gritarão!”



A professora Alenice Baeta, pós-doutora em arqueologia, deu uma aula magna ao narrar um pouco da exuberante história de Aredes, as sucessivas pesquisas e recuperação ambiental desenvolvidas na localidade, indicando o cuidado permanente de vários multiprofissionais com a Estação Ecológica de Aredes.

Foi inesquecível ver também muitas pessoas de Itabirito defendendo com intrepidez que o PL 387/23 precisa ser arquivado urgentemente na ALMG. A Mineradora Minar deixou três crateras de mineração abertas em Aredes, um brutal passivo ambiental. O Ministério Público de Minas Gerais por meio de parcerias e acordos desenvolveu vários projetos de reabilitação e valorização na área; um de reconversão de território, que realizou o preenchimento das três grandes crateras que tinham sido deixadas pela Mineradora Minar no entorno das estruturas arqueológicas; uma delas situava-se rente a trecho de muro da antiga Fazenda Aredes, ameaçando a sua integridade. Este local precioso remanescente tornou-se parte da Unidade de Conservação Estação Ecológica Aredes, em 2010. Se não fosse feita esta reconversão de território com o preenchimento da grande cava/cratera, possivelmente parte do muro histórico e arqueológico já teria desabado.

Agora, em 2023, pela terceira legislatura consecutiva, a mineradora Minar insiste, de forma absurda e injustificável, em voltar a minerar em território já pertencente à Estação Ecológica de Aredes, em uma montanha de campos rupestres e ferruginosos, que está apenas a poucos metros de distância de estruturas históricas e arqueológicas de Aredes. Este PL 387 é um desrespeito, uma violação de várias leis ambientais e patrimoniais e uma agressão infame à história de Aredes  e à sua população.

Além da devastação histórica, paisagística e arqueológica, retomar mineração em Aredes afetará de forma mortal os córregos Silva e Aredes, que são afluentes do rio Itabirito, que abastece a cidade de Itabirito e fundamental para o abastecimento público de Belo Horizonte e Região RMBH por ser um dos principais afluentes do rio das Velhas. Portanto, retomar mineração em Aredes reduzirá ainda mais as já escassas fontes de água que abastecem 6 milhões de pessoas em Belo Horizonte e RMBH.

Os argumentos da mineradora Minar que alegam ser possível compatibilizar retorno de mineração no aquífero de Aredes são falácias, cria mineriodependência e mata muitos empregos que a diversificação econômica e sustentável pode gerar.

Portanto, inadmissível alterar os limites da Estação Ecológica de Aredes já integrados e conectados, para que a mineradora Minar possa de novo sacrificar e mutilar territórios que compõem Aredes, imprescindíveis para a conservação ambiental de Itabirito e da Reserva da Biosfera. Arquive já o PL 387/23 e deixe Aredes em paz!

15/08/2023.

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - Alenice Baeta: violência da MINAR sobre a E.E. AREDES e sítio arqueológico, Itabirito/MG. 15/4/19

2 - Visita Técnica de deputados/a à Estação Ecológica de AREDES, em Itabirito/MG. Arquive o PL 387/23!

3 - Peça de Teatro sobre História de AREDES, Itabirito/MG: Arquive PL 387/23 que visa minerar em AREDES!

4 - Trabalho arqueológico na Estação Ecológica de AREDES, em Itabirito/MG: Arquive o PL 387/23 na ALMG!

5 - Exposição AREDES na Estação Ecológica de AREDES, Itabirito/MG: Arquive o PL 387/23, que visa minerar

6 - No interior de uma das ruínas da Estação Ecológica de AREDES, em Itabirito/MG: Arquive o PL 387/23!

7 - Crateras deixadas pela Minar foram convertidas ambientalmente: Estação Ecológica AREDES/Itabirito/MG

8 - Em região já sacrificada por mineradoras, Minar insiste em minerar na Estação Ecológica AREDES. NÃO!



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III