Depoimento de frei Gilvander em Audiência Pública na ALMG
em defesa do povo das Ocupações Rosa Leão, Esperança e Vitória, dia 13/08/2013.
Bom dia. Espero que
todo esse terrorismo seja transformado em um domingo de Páscoa e de ressurreição,
sem termos de passar pela sexta-feira da Paixão na grande Belo Horizonte.
Obrigado de coração aos deputados Durval Ângelo e Rogério Correia, que não
medem esforços para defender os pobres. Deixo aqui nossa eterna gratidão às
defensoras públicas do setor de Direitos Humanos e às queridas promotoras do
Ministério Público da área de Direitos Humanos que, sem dormir, estão sendo anjas
humanas e defendendo as famílias das Ocupações do Isidoro durante 24 horas.
Serei muito breve e quero começar fazendo alguns pedidos.
Estão chegando alguns
ônibus das ocupações Rosa Leão, Esperança e Vitória. O povo está atrasado
porque ficaram acordados durante toda a noite em vigília se preparando para resistir
aos despejos. Muitas pessoas não querem
sair das ocupações, porque sabem que a liminar concedida pelo juiz da Vara da
Infância pode quebrar e cair a qualquer momento. Não saem das ocupações, porque
não aceitarão serem despejadas.
Primeiro pedido: do
fundo do meu coração e em nome da vida de 24 mil pessoas, das 8 mil famílias,
70% mulheres e crianças, peço à desembargadora Selma Marques, da 9ª Câmara Cível
– a liminar poderá ser derrubada por ela -, para, pelo amor de Deus, não
derrubar a liminar do juiz da Infância, porque, com isso, vai autorizar um
massacre de proporção inimaginável. (Quatro horas após esse pedido ser
veiculado pela TV Assembleia para todas as cidades de Minas Gerais, a Des. Selma
derrubou a Liminar. Nosso pedido não foi ouvido.) Peço ao Alberto Pinto Coelho,
governador de Minas Gerais, que repense e suspenda, pelo menos provisoriamente,
por um mês, como pedimos, para abrir processo de negociação e voltar atrás na
assinatura que deu autorizando a polícia a ir fazer os despejos. Peço ao Dr.
Pedro Bittencourt, presidente do TJMG, pela responsabilidade que tem, que
mantenha a liminar e, caso ela caia, que determine a suspensão desse processo
judicial e espere a Ação Civil Pública do MP/MG correr e o processo de
negociação acontecer. Peço a todas as autoridades, aos empresários da Granja
Werneck e aos outros empresários que tenham bom senso. Vamos dialogar. Os
movimentos sociais e as ocupações apresentaram concretamente quatro propostas
muito sensatas. Estamos abertos à negociação justa e sensata. Peço ao governo
federal sensatez. Queria fazer um pedido específico ao governo federal e ao
presidente da Caixa Econômica Federal (CEF). O Dr. Bruno Renato Teixeira,
ouvidor Nacional de Direitos Humanos, do governo federal, está aqui hoje
e me deu uma informação que estamos buscando há quatro meses. A prefeitura não
nos informa, ninguém nos informa, nem o governo federal, e o Dr. Bruno me disse
hoje que a CEF já assinou o projeto de construção dos prediozinhos, com quase 9
mil cubículos, ressalvando que os despejos serão feitos até 30 de agosto. Em
nome da vida, pedimos que a presidência da CEF, a presidente Dilma ou outra
pessoa do governo federal suspenda essa assinatura e participe, com firmeza, do
processo de negociação. Peço aos militares, aos soldados, que também são
pessoas trabalhadoras, humanas, com filhos, crianças, que não participem dessa
operação de guerra. Peço ajuda ao Ministério Público Federal, considerando que
agora há participação da CEF.
Apresentamos quatro
propostas. Não é verdade o que está sendo divulgado pelo site do
Tribunal de Justiça de MG, que os movimentos sociais e as ocupações não estão
abertas ao diálogo; estão sim. Estamos clamando e pedindo diálogo, negociação,
mediação durante todo o tempo, por 24 horas. Como prova disso, apresentamos
quatro propostas. Primeira: suspensão do despejo por 30 dias e que seja feito o
cadastro socioeconômico ou que se reconheça o cadastro que o Centro Universitário
UNA está fazendo lá. Segunda: as ocupações estão dispostas a diminuir o
território e a entregar áreas menos adensadas. Terceira: as ocupações assumem o
compromisso de diminuir os lotes, de modo que, em apenas um lote, sejam
acomodadas duas ou três famílias. Quarta: que os prefeitos de Belo Horizonte e
de Santa Luzia apresentem terrenos e elaborem projetos em parceria com os
movimentos sociais e entidades, por meio do Minha Casa, Minha Vida. Quando as
moradias forem construídas, as famílias irão se dispor a sair das 2.500 casas
que construíram com o seu suor. A maior parte dos moradores está endividada por
isso. Estamos abertos ao diálogo, sim, e clamando, pelo amor de Deus.
No pouco tempo que me
resta, gostaria de fazer um comentário a respeito de algo que me doeu muito.
Ontem, por meio do celular, uma pessoa leu para mim uma nota de esclarecimento
que está no site do TJMG. Infelizmente nela há muitas mentiras, e, na
prática, assumem a postura e o discurso da Prefeitura de Belo Horizonte, como
se esta fosse correta. Vou comentar algumas questões. O título da nota diz que
a Justiça desenvolve trabalho pacífico para a reintegração de posse da região
de Isidoro. Estão propondo o que chamam de despejo humanizado. O que eles
propõem é inviável. Não há apenas indícios, mas evidências de que é impossível
ocorrer despejo pacífico. Se fosse em ocupações com 50, 100 ou 200 famílias,
poderia até, com esforço muito grande, ser viável despejo pacífico. A nota diz
que será feita com respeito aos direitos humanos, com observância dos direitos
fundamentais constitucionais. Impossível, nesse conflito, com os milhares de
policiais que lá estarão e as 8 mil famílias, ou seja, com o envolvimento de
mais de 20 mil pessoas. Pergunto: estarão lá os 130 desembargadores para
acompanhar isso?
Há também outra
mentira, dizendo do trabalho de retirada de 2.500 pessoas. Dr. Pedro
Bittencourt, não são 2.500 pessoas, mas mais de 20 mil, são 8 mil famílias. No
cadastro parcial e tendencioso da Urbel, que é covarde, consta apenas cerca de
2.502 famílias.
Diz a nota do TJMG: “Os
pertences dos ocupantes serão transportados com a devida identificação”.
Pergunto: milhares de policiais ficarão lá, durante três ou quatro meses, para
viabilizar esse transporte, com a devida identificação?
Diz a Nota do TJMG: “Haverá
acompanhamento psicológico no local”. Pergunto: e depois? Quando o povo estiver
na rua ou na desgraça social, vai haver acompanhamento psicológico?
Diz a Nota do TJMG: “Que
sejam encaminhados aos programas sociais oferecidos pelos governos federal,
estadual e municipal”. Não existem esses programas, é ilusão. Muitas pessoas
das ocupações estão inscritas em programas, como o Minha Casa, Minha Vida e
estão esperando, esperando. Isso é triste.
Diz a Nota do TJMG: “Devem
ser cumpridos os requisitos legais”. O Conselho Municipal de Habitação de Belo
Horizonte empurrou goela abaixo e mudou o prazo de dois anos para cinco anos.
As famílias têm de comprovar que residem ali cinco anos, senão serão excluídas.
Não basta cumprir os requisitos legais, covardes, injustos, anti-humanos.
Diz a Nota do TJMG: “Toda
operação será filmada e fotografada”. Pergunto ao presidente do Tribunal:
estarão lá mais de mil fotógrafos para filmar as 8 mil famílias, tudo?
Impossível filmar tudo. Quando começar o confronto, os jornalistas vão correr
risco e, logicamente, fugir.
O álibi para tentar
justiçar os despejos é a construção de cerca de “70 mil moradias”. Caro
presidente do Tribunal, o que consta do projeto são prediozinhos de cinco
andares, sem elevador, com cerca de apertamentos de 40 e poucos m². Há um laudo
dizendo que as famílias não aguentam ficar nesses apertamentos mais de um, dois
ou três anos. Então não são moradias dignas.
Outro absurdo que
está na Nota do TJMG e que faz doer o meu coração é dizer que o município, o
Estado e a União demonstraram interesse em solucionar a questão. Como o
deputado Durval Ângelo disse, o governo federal, sim, mas a Prefeitura de Belo
Horizonte tem sido intransigente, covarde e insensível aos clamores de milhares
de famílias empobrecidas. Negociamos mais de oito meses, mas representantes da prefeitura
de BH foi apenas nas duas últimas reuniões.
A fila não anda, quem
está na fila fica esperando. Então todos vão morrer sem moradia?
Diz a Nota do TJMG: “Eles
não se mobilizaram no sentido de efetivá-lo”. Mobilizamos, sim. Estamos
clamando o tempo todo, mas somos humanos, e, sob pressão constante de despejo,
as lideranças dos movimentos sociais ficam constrangidas de ficar o tempo todo
só lutando para evitar o despejo.
Diz a Nota do TJMG: “Foi
determinado e realizado o cadastro das famílias de forma detalhada”. Mentira.
Foram cadastradas apenas pouco mais de 2.500 famílias, ficando de fora mais de a
maior parte das famílias.
Diz a Nota da TJMG: “Houve
presença de representantes da Prefeitura de Belo Horizonte em todas as
reuniões” de negociação. Mentira, apenas nas duas últimas.
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