Na ALMG, Famílias
reafirmam disposição de permanecer em ocupações da região da Isidora, em Belo
Horizonte e Santa Luzia, MG.
Povo das Ocupações da Isidora lotam Plenário
da Assembleia Legislativa de MG, dia 28/11/2014.
Reunidas
em debate público no Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG)
na tarde desta sexta-feira (28/11/14), centenas de moradores das ocupações
Vitória, Esperança e Rosa Leão, localizadas na região conhecida como Isidoro ou
Isidora, no vetor Norte de Belo Horizonte, reafirmaram sua disposição de
permanecer nos terrenos ocupados e resistir a tentativas de despejo.
No local, cerca de 8 mil famílias instaladas há um
ano e meio estão ameaçadas de despejo por empresas que reivindicam a posse dos
terrenos. Promovido pela Comissão de Participação Popular, o debate foi
realizado a requerimento do presidente da comissão, deputado André Quintão
(PT), atendendo a solicitação de diversas entidades, instituições e grupos da
sociedade civil que apoiam a causa dos sem-teto e a luta pela moradia popular.
Entre essas instituições estão a PUC Minas e a
Arquidiocese de Belo Horizonte, por meio das Comissões Pastorais da Terra e dos
Sem-Casa. Além desses e das lideranças comunitárias, também estiveram presentes
representantes do Ministério Público e da Defensoria Pública, entre outros
apoiadores.
A situação dessas ocupações já foi tema de
audiência pública da Comissão de Direitos Humanos no dia 17 de novembro. Na
ocasião, moradores e representantes de movimentos sociais denunciaram o alto
déficit habitacional da Capital e reivindicaram o direito à moradia digna. As
famílias cobram a urbanização da região ocupada e soluções que assegurem
infraestrutura básica, com garantia de saneamento e pavimentação, entre outras
melhorias. Os moradores dessas ocupações também manifestaram sua preocupação
com a possibilidade de ações violentas por parte do poder público por meio da
atuação repressora da Polícia Militar, lembrando recentes despejos à base da
força, como o ocorrido recentemente em Vespasiano (RMBH) durante ação de
reintegração de posse.
O deputado André Quintão, que coordenou o debate,
ressaltou o compromisso com a causa das ocupações, não só por parte da
comissão, mas de todas as entidades participantes do encontro. “Podem contar
com o nosso apoio. Não vamos permitir que se resolva essa situação com
violência; queremos alternativa com dignidade. Estamos aqui para celebrar a
união desse movimento, que é exemplo para Belo Horizonte e Minas Gerais. Este
debate é mais um espaço de fortalecimento da luta de vocês ”, disse.
Conclamando os presentes a entoar cantos e palavras
de ordem em defesa da causa, Frei Gilvander Luís Moreira, da Comissão Pastoral
da Terra, disse que há 30 anos vem dedicando o seu ministério como frade à luta
pela reforma agrária, acrescentando que nos últimos 15 anos, “indignado com
tanta injustiça”, também abraçou a luta pela reforma urbana, entendendo que
ambas estão interligadas. Ele criticou a grande imprensa, que “cria uma cortina
de fumaça em torno desses temas”, e afirmou que “há milhares de famílias
crucificadas pela pesadíssima cruz do aluguel ou vivendo de favor com parentes
que também pagam aluguel”.
Déficit habitacional chega a 750
mil moradias em MG.
Citando pesquisa da Fundação João Pinheiro, Frei
Gilvander disse que o déficit habitacional na Região Metropolitana de Belo
Horizonte (RMBH) é estimado em 150 mil moradias. Em todo o Estado, os números
se elevam a 750 mil, disse. Ele condenou “a especulação imobiliária e o conluio
do setor com o Estado, políticos, governos omissos e Poder Judiciário, que
estão impondo uma cruz pesadíssima ao povo”.
Segundo Frei Gilvander, 25 mil famílias vivem em
ocupações na RMBH. “É inadmissível dormir em paz sabendo que só depois das
eleições aconteceram oito despejos na RMBH”, disse, denunciando ações violentas
da Polícia Militar. De acordo com ele, a PM chegou a prender cadeirantes,e
agredir mulheres e mães com filhos de colo. “Um problema social gravíssimo como
esse não se resolve com polícia e repressão”, disse.
O religioso ainda apelou aos desembargadores para
que “recobrem a consciência e parem de tratar ocupações coletivas como se fosse
um esbulho”. “Não! É luta por direito”, disse, acrescentando que a meta dessas
famílias é “despejo zero em Minas Gerais”.
O procurador Afonso Henrique de Miranda Teixeira
conclamou os ocupantes a não abrirem mão do que já conquistaram. “A ocupação é
que dá o poder a vocês, que tiveram a iniciativa de lutar por direitos
fundamentais", disse. "Não abram mão daquilo que vocês têm, que é a
sua força, porque o Estado só atenderá vocês se vocês permanecerem lá, onde
estão; se vocês estiverem debaixo do viaduto ninguém vai olhar por vocês”,
continuou.
O representante do Ministério Público defendeu a
necessidade do Poder Judiciário se adequar, porque “não existe Justiça sem
justiça social”. “Não se pode conceder uma liminar sem conhecer a situação dos
que vivem no local. Quem não usou o imóvel não pode pedir a reintegração do que
nunca usou”, disse.
Função social – Para o
promotor, uma medida como a de reintegração de posse não pode ser vista apenas
pelo viés do Código Civil, pois a propriedade tem que cumprir a sua função
social conforme previsto na Constituição da República.
A função social da terra também foi invocada por
diversos outros participantes do Debate Público, entre eles o ex-prefeito de
Belo Horizonte, ex-ministro e deputado federal eleito Patrus Ananias (PT-MG), a
defensora pública Cleide Aparecida Nepomuceno e o o advogado Luís Fernandes
Vasconcelos, das Brigadas Populares, que denunciou a submissão do Judiciário
aos interesses “do capital imobiliário especulativo” e condenou a
“criminalização dos movimentos sociais”.
Lideranças comunitárias defendem
organização na luta.
A líder comunitária Charlene Cristiane Egídio,
coordenadora da ocupação Rosa Leão, disse que as famílias da região do Isidoro
tomaram consciência dos seus direitos. “Hoje somos pessoas transformadas.
Entramos na ocupação por não termos como pagar aluguel, mas não sabíamos dos
nossos direitos nem dos interesses da especulação imobiliária. Somos pedreiros,
diaristas, garis, pessoas que trabalham pela cidade, e não animais, e vamos
fazer valer o nosso direito à moradia, que já é garantido pela Constituição
Federal”, disse.
Ela relatou ter presenciado, com tristeza, o
despejo das famílias de Vespasiano e garantiu que o mesmo não vai acontecer no
Isidoro. “Temos uma grande rede de apoio e um povo aguerrido”, disse, lembrando
o Papa Francisco, segundo o qual “toda família tem direito à moradia”. Ela fez
um apelo ao governador para que “seja sensato e não trate problema social como
policial”. “Se mexerem com despejo, vão mexer em um monte de formigas
organizadas”, ressaltou.
A coordenadora da ocupação Esperança, Edna
Gonçalves, apoiou a companheira da Rosa Leão. “E o povo humilde que constrói
esta cidade e, por isso, também tem direito a ela”, disse. A líder comunitária
criticou o prefeito Márcio Lacerda, afirmando que “os moradores das ocupações
construíram mais casas do que a prefeitura”. “Não vamos sair; é lá que vamos
passar o nosso Natal, feliz”, assegurou.
Elielma Carvalho do Nascimento, da ocupação
Vitória, considerou “uma verdadeira barbárie” o despejo realizado em Vespasiano
e disse que “o povo do Isidoro não vai aceitar o mesmo”. Para reforçar a luta,
disse que é importante apelar a todos os órgãos de defesa dos direitos humanos
e invocar tratados internacionais, destacando a importância dos apoios da
sociedade civil. “Nós, das ocupações e movimentos sociais, já construímos mais
casas do que o Governo do Estado e a prefeitura”, disse.
O coordenador nacional do Movimento de Luta nos
Bairros, Vilas e Favelas (MLB), Leonardo Péricles Vieira Roque, criticou o que
chamou de “irresponsabilidade dos governantes”, afirmando que a atual gestão de
Belo Horizonte só construiu 1.470 apartamentos, em uma cidade cujo déficit
habitacional é de mais de 100 mil unidades. “Não tem política habitacional,
então temos que ocupar em massa os terrenos abandonados”, disse.
O líder comunitário fez críticas à prefeitura, ao
Estado e ao Judiciário. “Juiz tem que pisar no barro antes de julgar. Eles não
sabem o que é viver com dois salários mínimos, porque vivem com salários
altíssimos e ainda têm auxílio moradia”, condenou.
Segregação - O
advogado Thales Augusto Nascimento Viote, do Coletivo Margarida Alves,
denunciou que nenhuma casa popular foi construída pelo poder público em Minas
Gerais e Belo Horizonte.
O arquiteto Tiago Castelo Branco Lourenço, do
escritório Integração, da PUC Minas, e do grupo Arquitetos sem Fronteiras,
denunciou que a prefeitura desrespeita o Plano Diretor da Cidade e se esquiva
do seu papel constitucional de defender o interesse da população.
O professor Lucas de Alvarenga Gontijo, da PUC
Minas, criticou o Judiciário e a administração municipal, afirmando que a
cidade construiu um processo de segregação.
Último a falar, o padre Pier Luigi Bernareggi, da
Pastoral dos Sem-Casa da Arquidiocese de Belo Horizonte, entusiasmou os
moradores das três ocupações ao informar que acabara de chegar de uma pesquisa
em cartórios, onde concluiu que não há registro de titularidade nos terrenos em
disputa. “As pretensas propriedades são grilagens de terras devolutas”, disse.
Ele apelou para que o Ministério Público entre com uma ação de nulidade global
contra os que se dizem titulares dos terrenos.
Direito à propriedade e direito
de propriedade.
O deputado federal eleito Patrus Ananias (PT-MG)
louvou a iniciativa do debate, que considerou um “encontro histórico na
Assembleia de Minas”. Ele disse que o Brasil vive um grande desafio, o de
“colocar sob o comando do interesse público e do bem comum o interesse do
grande capital, estabelecendo limites e normatizando, de forma a proteger cada
vez mais o direito à vida”.
Ele fez uma distinção entre o direito à
propriedade, garantido pela Constituição Federal, e o direito de propriedade.
“Infelizmente, na prática o direito mais protegido é o de propriedade, de
poucos, os detentores da especulação imobiliária", afirmou.
Outro grande desafio, na opinião do parlamentar
eleito, é o direito à cidade. Ele lembrou que mais de 80% da população
brasileira vive nas cidades e mais de 40%, nas grandes cidades e regiões
metropolitanas. “Isso pressupõe direito à moradia, ao transporte coletivo, aos
serviços básicos (educação, saúde, moradia)”, disse. Exaltando o princípio da
função social da propriedade, ele afirmou que o direito à moradia é muito mais
importante que o direito à especulação imobiliária.
O deputado Rogério Correia (PT) disse que moradia
popular em Belo Horizonte é sinônimo de luta. Ele lembrou antigas ocupações,
como a da Vila Corumbiara, no Barreiro, nos anos 1990, e outras mais recentes,
como a Dandara, que já completou cinco anos. Todas passaram por um grande
processo de resistência, observou. Ele louvou o fim de “um ciclo de 12 anos de
insensibilidade do governo do PSDB em Minas Gerais”, período em que, segundo
ele, o déficit habitacional na Capital e no Estado só aumentou. Segundo o parlamentar,
o governador eleito Fernando Pimentel assumiu o compromisso de garantir as
moradias nos terrenos ocupados.
No encerramento do debate, o deputado André Quintão
reafirmou também o seu compromisso pessoal no sentido de garantir uma solução
capaz de preservar a moradia das famílias nas três ocupações.
Obs.: A
reportagem, acima, foi publicada originalmente no seguinte sítio:
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